sexta-feira, 13 de abril de 2007

ENTREVISTA

TRABALHO DE PORTUGUÊS

8ª. SÉRIE

Ler jornais, revistas, saber o que se passa à nossa volta é fundamental também para podermos conhecer nossos direitos.

A Voz do Morro

Líder comunitário carioca, Jorge Luiz de Souza expõe o drama de viver no fogo cruzado entre traficantes e policiais.

Leia com atenção a entrevista que apresentamos a seguir e conheça um pouco da vida nos morros do Rio de Janeiro, a partir das palavras de alguém que lá vive o seu dia-a-dia.


Para quem mora nas favelas cariocas, coalhadas de traficantes armados até os dentes, abrir a boca representa risco de vida. Qualquer palavra em falso pode soar como delação tanto aos ouvidos dos bandidos quanto aos dos policiais, por isso que nos morros do Rio de Janeiro o silêncio vale mais que ouro. Pode valer a própria pele. Mesmo os líderes comunitários evitam certos assuntos. Alguns vão da omissão à cooperação e acabam trabalhando para os criminosos. Jorge Luiz de Souza, 34 anos, presidente da Associação dos Moradores do Morro do Andaraí, vai na contramão de seus colegas de movimento comunitário. Fala sobre qualquer assunto, explica como e por que os traficantes - gente com quem convive desde a infância - se iniciam na vida do crime e relata a forma violenta como os policiais tratam os moradores do morro, sejam eles bandidos ou não.
Negro, corpo magro e vestido quase sempre com bermuda, camiseta e chinelos, Souza faz bem o tipo que a polícia do Rio costuma escolher como vitima preferencial de seus abusos. Ele, porém, não se intimida - denuncia, critica, argumenta: "É preciso que a polícia entenda que a pena de morte não vigora no Brasil", reclama. Também não perdoa os traficantes, que fazem com que as crianças e os trabalhadores do morro convivam com drogas e armas pesadas. Souza ataca até mesmo as organizações não-governamentais, que costumam falar em nome dos moradores do morro. "Quem deve falar pelo favelado é o próprio favelado”. Estudante de pedagogia, ele prioriza as crianças em seu trabalho social - coordena uma creche e sempre que pode tira os pequenos da favela para levá-los a museus e teatros. "Somente a educação pode tirar as crianças das mãos do tráfico", receita. É na condição de quem acompanha de perto os problemas da favela que ele relata o dia-a-dia do Andaraí, com seus sete mil moradores - uma amostra do que acontece em outros morros. São lugares transformados em campo de batalha pela miséria e o tráfico de drogas.
ISTOÉSabe-se que algumas associações são subordinadas ao tráfico Como são as coisas no morro do Andaraí?

Jorge Luiz de Souza – A gente procura manter a nossa independência. Para nós, todos os moradores, independentemente da atividade que exerçam. Procuramos o bem da comunidade. Houve um tempo - quando eu ainda não estava na associação - que um diretor da entidade se ligou ao tráfico e deixou até que alguns dos rapazes envolvidos morassem em sua casa. Todos acabaram presos. Mas, mesmo naquela época, a associação não ficou a reboque do tráfico.

ISTOÉ - Como é a atuação da polícia no morro?

Souza - Eles chegam, batem e espancam. Não percebem que estão criando um clima desfavorável. Uma criança de sete anos que vê uma pessoa ser espancada - sendo ou não do tráfico - jamais vai achar que a polícia está certa. Afinal, quem vive o dia-a-dia com ela dentro da favela é o cara que está apanhando. Isso vai formando a mentalidade da criança. No Morro, a polícia não respeita nem um milímetro da Constituição. Se os policiais entram na casa de um morador e encontram um vídeo, sempre acham que foi conseguido através do tráfico. Entram nas casas sem pedir licença. Gostaria que um burguês saísse de seu meio para viver no morro do Andaraí por um dia. Então veria o tipo de tratamento que se dá aos favelados. Pergunte a qualquer criança de quatro anos que more aqui no morro se já viu alguém ser assassinado. A maioria das respostas será positiva. As crianças da nossa creche se divertem fazendo revólveres com biscoito ou então com pedaços de tijolo. Eu não posso dizer que toda a culpa por isso seja do tráfico.

ISTOÉ - O que um Líder comunitário pode fazer nessas situações?

Souza - Quando a polícia entra na favela, nós intervimos para lembrar que não vivemos sob o regime de pena de morte. Além disso, a morte de um traficante traz vários transtornos para toda a comunidade: o comércio fecha, a creche não abre, a associação de moradores não funciona e as obras param. A gente chega para tentar defender os direitos dos moradores e os soldados brigam, xingam. O policial apreende um fuzil AR-15 e pergunta se a associação de moradores vai se responsabilizar por aquilo. O que eles querem é um pretexto para matar as pessoas. Isso é muito mais fácil do que tratar as causas, do que dar escolas, do que dar trabalho.

ISTOÉ - O que o levou a participar da associação de moradores?

Souza - Nós criamos a associação em 1981, depois que a polícia subiu o morro e, durante uma operação, matou um trabalhador, o mecânico Laurimar. Por causa disso, a comunidade se mobilizou e criou a associação. Além disso, queríamos creches comunitárias. Na época, eu era office-boy e comecei a participar.
ISTOÉ - No começo da associação já havia essa guerra entre o tráfico e a policia?

Souza – Era diferente, era outra coisa. Naquele tempo, as pessoas envolvidas no tráfico não se mostravam o tempo todo, não era uma coisa ostensiva. As pessoas podiam participar, mas tomavam o cuidado de não mostrar o que eram. De dez anos para cá as coisas se acentuaram. O Rio de Janeiro ficou tão bom para quem vive na marginalidade que todos os bandidos vêm para cá, como aquele inglês que roubou o trem pagador, o Ronald Biggs, que vive numa boa por aí e dá entrevista na tevê a toda hora.

ISTOÉ - Quais os maiores transtornos que o tráfico traz à comunidade?

Souza - O principal é as crianças conviverem com o armamento pesado. Até há alguns anos, uma fila de consumidores de drogas tomava conta de uma das escadas de acesso ao morro. Quando o trabalhador chegava em casa, tinha que pedir licença àquelas pessoas para subir. Nessa época, pegávamos o ônibus que vinha cheio de gente para comprar drogas, pessoas de fora que vinham dar "teco" (consumir cocaína). Os trabalhadores do Andaraí, que voltavam cansados para casa, tinham de conviver com aquilo. Até que a polícia acabou com tudo.

ISTOÉ - Os moradores torcem pela policia ou pelos traficantes?

Souza - O morador do morro está dividido. Tem uma parte que não quer nem saber de
tráfico. Quando vê o traficante no meio da rua, liga para o Disque-Denúncia e entrega o cara. Tem outra que aproveita até as sobras. Quando havia a fila de consumidores de drogas no morro, muita gente montava barraquinhas para vender cerveja, cachorro-quente e outras coisas para eles. Mas, se pudesse optar, a maioria dos moradores não iria querer o tráfico de drogas.

ISTOÉ - Você Já tentou recuperar pessoas que hoje estão no tráfico?

Souza – A gente procura falar com eles, pede para serem mais discretos, pelo menos. Eles dizem que estão ali, mas não queriam estar.

ISTOÉComo as crianças vão parar no tráfico?

Souza – Temos um garotinho de cinco anos em nossa creche que, uma vez ou outra, encontro pedindo dinheiro nas ruas próximas ao morro. Se a gente não seguir esse garoto, ele certamente vai estar lá depois. Alguém vai passar de carro e pedir pra ele comprar tóxico. Ou vão pedir para ele entregar. Se continuar vagando por aí, não tenho dúvida de que vai receber oferta do pessoal do tráfico.

ISTOÉ Qual seria a solução?

Souza - A solução seria colocar essa criança na escola. Mas o problema do tráfico é tão grande que vai parar também dentro da escola. Quem mora no Andaraí não pode freqüentar o mesmo colégio da criança de outro morro. Quando isso acontece, as crianças entram em choque dentro da sala de aula. Sei de casos de meninos que ameaçam dar porrada na professora se forem reprovados. Outro dia, na creche, eu repreendi um garoto de quatro anos e ele disse que ia me dar um tiro. Se com quatro anos ele fala isso, imagine como será a cabeça dele quando crescer.

ISTQÉ - As organizações não-governamentais como o Viva-Rio ajudam a resolver o problema?

Souza -Há algum tempo li no jornal uma reportagem que tinha a seguinte manchete: "Rocinha convida o pessoal do COI (Comitê Olímpico Internacional) para ir à favela". Mas quando li o texto levei um choque: não era nenhum líder comunitário da Rocinha que falava na entrevista, e sim o antropólogo Rubem César Fernandes. Quem tem que falar pelo favelado é o próprio favelado. Gostaria que movimentos como o Viva-Rio ajudassem na solução dos problemas das favelas, mas eu não vejo nada de concreto. Uma coisa é você ficar no discurso, sair do curso de graduação de sociólogo ou antropólogo e falar sobre o assunto. Outra coisa é você conviver dentro da favela. Eles minimizam a discussão e depois entram para seus belos apartamentos, mas é na nossa casa que a polícia vem bater à noite.

ISTOÉ - Como é a relação da associação de moradores com o Estado?

Souza - Nós sempre servimos de intermediários entre os moradores e o Estado. Mas, ultimamente, a prefeitura e o governo estadual têm precisado muito da associação. Outro dia, um policial deixou uma intimação no pé do morro, no ponto das kombis que fazem o transporte. A intimação veio parar aqui na associação de moradores para de que nós entregássemos. Como os carteiros não sobem o morro, já estamos nos preparando para implantar aqui um programa de carteiro mirim. A manutenção de iluminação pública também não é feita porque as pessoas temem levar um tiro. Antes que o projeto Favela-Bairro fosse iniciado aqui no Andaraí, eu andei com os funcionários e engenheiros para que os moradores se familiarizassem com eles e eles com o morro.

ISTOÉ - Você tem medo de morrer por causa de sua atuação comunitária?

Souza - Eu não tenho medo de morrer. Mas acho que seria urna derrota para o movimento comunitário se isso acontecesse. De qualquer forma, tinha alguns hábitos que eu cortei. Ia para o ensaio do Salgueiro e voltava de madrugada sozinho. Hoje já não faço mais isso. Não fico vagando por aí à noite. Eu tomo meus cuidados. Mas tanto a polícia quanto o morador do Andaraí que foi parar no tráfico sabem que têm em mim um aliado. O dia em que a polícia mudar de comportamento, mudar a forma de tratar o povo do morro, eu vou estar pronto para colaborar. O trabalho policial é importante.

ISTOÉ - E quanto aos traficantes?


Souza - Eu estou aqui para ajudar qualquer um. Quem sou eu para dizer que a porta está fechada para alguém? Acho que a pior coisa que pode acontecer é quando alguém chegar para uma pessoa dessas e disser: "Você não tem mais jeito". Acho que tudo tem jeito. Se eu achar que as coisas não têm mais solução, o que eu vou fazer na associação de moradores ? Até o próprio secretário de Segurança tem jeito. Ele um dia vai perceber que não deve falar para os policiais atirarem primeiro e perguntarem depois.

ISTOÉ - Como é viver entre dois fogos, tendo de um lado a polícia e do outro os traficantes?

Souza - Tenho 34 anos. As pessoas que estão hoje no tráfico no Andaraí passaram a infância junto comigo. Então, na maior parte do tempo, eu não me sinto vivendo exatamente entre dois fogos. É claro que, em alguns momentos, a gente acaba no meio do fogo cruzado. De um lado existe uma política de segurança que eu acho equivocada. Do outro, o pessoal do tráfico. Por conhecer essa realidade eu até procuro entender por que as pessoas estão nessa situação. Só não entendo os policiais. Acho que eles não podem ter o mesmo tipo de comportamento do cara que é bandido.

ALVES FILHO, Francisco. In: IstoÉ. São Paulo, Editora Três, 29 jan. 1997.


VAMOS ENTENDER O TEXTO

1. Localize na entrevista que você acabou de ler a manchete e o resumo da notícia.
a. Manchete:
b. Resumo:

2. As perguntas feitas pelo jornalista são, em sua maioria, imparciais, porém na primeira e na sétima há uma certa parcialidade. Releia essas questões e explique o que causa essa parcialidade.

3. De que forma essas duas questões poderiam ser reelaboradas para se tornarem imparciais?

4. A partir da análise do que foi dito pelo entrevistado, o que deveria ser feito para tornar a vida no morro menos violenta?

5. Transcreva da entrevista o trecho em que o entrevistado explica por que a criança da favela, muitas vezes, teme a polícia.

6. Com que pessoas o entrevistado mostra mais preocupação ao falar do problema do tráfico? Por que você acha que há essa preocupação?

7. Certamente, você já tinha uma série de informações sobre o assunto da entrevista. Que aspectos novos você viu no ponto de vista do entrevistado?

8. Por que, na sua opinião, o nome da matéria jornalística é "A voz do morro”? Que você acha desse nome?

VAMOS CONVERSAR

Selecione um texto jornalístico (em jornais ou revistas) que trate de algum assunto que interesse a você e a seus colegas. Prepare-se para contá-lo a seu grupo.
Sublinhe um ou dois trechos mais significativos do texto e leia-os para os colegas.
Comente a seguir o texto, expondo o motivo de sua escolha.
Cole aqui o texto selecionado.
Faça aqui seus comentários.


VAMOS ESCREVER COM ESQUEMA

Este trabalho deverá ser feito em grupo.Vocês vão se preparar para fazer uma entrevista. O esquema proposto a seguir irá orientar você e seu grupo.
. Determinem o assunto a respeito do qual será feita a entrevista Dêem preferência para questões que despertem o interesse das pessoas que serão seus possíveis leitores
. Escolham o entrevistado, que deverá ser alguém que tem algo a dizer sobre o assunto selecionado pelo grupo.
. Elaborem as questões, levando em consideração elementos como: objetividade, clareza e imparcialidade.
. Combinem qual deve ser a postura do grupo durante a entrevista, especialmente em relação à linguagem a ser utilizada. Lembrem-se de que vocês estarão em uma situação formal.
. Marquem a entrevista com antecedência e expliquem ao entrevistado a respeito de qual assunto serão feitas as perguntas e qual o objetivo do grupo.
. Gravem a entrevista. Isso garantirá ao grupo fidelidade ao que for dito pelo entrevistado.
. Anote aqui as questões.

VAMOS ESCREVER

Agora é a hora de apresentar aos colegas a entrevista feita pelo grupo. Para redigi-la, vocês deverão:
. Criar uma manchete;
. Escrever uma linha que resuma o assunto, logo abaixo da manchete;
. Fazer um parágrafo de introdução, explicando quem é o entrevistado e a respeito de que assunto irá falar;
. Apresentar por escrito as perguntas feitas e as respostas dadas pelo entrevistado. Atente para o uso de reticências nas interrupções de falas ao fazer a transcrição da linguagem coloquial.
. Na apresentação dos trabalhos, os grupos poderão escolher a entrevista de maior interesse para a classe e avaliar se as questões foram bem elaboradas. Façam uma cópia da entrevista para ser afixada no mural da escola.
. Esta atividade deverá ser entregue digitada e estruturada para publicação no jornal virtual da classe.

5 comentários:

Unknown disse...

Muito Bom..!
Parabéns

Professoa Ana Claudia disse...

Obrigado Professor!!!

Anônimo disse...

Teste

Anônimo disse...

VALEU TURMA O BLOG TÁ 100000000
bjs

Anônimo disse...

Valeu turma o blog tá 1000000
bjos